22/09/08

Concursos de apoios às artes 2009: “Discussão pública”


ACTA – A Companhia de Teatro do Algarve
A Escola da Noite – Grupo de Teatro de Coimbra
Centro Dramático de Évora
Companhia de Teatro de Braga
Teatro das Beiras


Em face do convite feito pela Direcção-Geral das Artes, as cinco companhias de teatro descentralizadas que assinam este texto vêm manifestar a sua posição quanto à proposta de alterações ao regulamento de “apoio directo às artes” apresentada pelo Ministério da Cultura.
Analisados o documento síntese publicado no sítio da DGArtes e a proposta de Portaria que visa regulamentar o Decreto-Lei aprovado a 14 de Agosto, concluímos que as preocupações, interrogações e discordâncias que apresentámos em carta dirigida ao Senhor Ministro da Cultura no final do mês passado vêem alargados e reforçados os seus fundamentos.
O Ministério da Cultura continua a não assumir nenhuma estratégia sobre o seu papel no desenvolvimento da actividade artística no país. As contradições internas que caracterizam o documento (com um claro desfasamento entre os objectivos enunciados e as normas e os procedimentos que institui), agravadas pelo facto de ele surgir isolado de quaisquer outras políticas complementares (Lei do Mecenato, Estatuto Profissional dos Artistas, articulação inter-sectorial nos domínios da formação e da internacionalização, por exemplo) configuram uma situação em que o Estado se demite cada vez mais das obrigações que lhe assistem nesta matéria. Independentemente do montante financeiro que vier a ser destinado a este tipo de apoios (informação absolutamente essencial para determinar a sua potencial eficácia), a forma como o investimento público é entendido na prática, tanto no Decreto-Lei como na proposta de Portaria (apesar das definições de serviço público que teoricamente o fundamentam), apenas reforça a perspectiva daqueles que defendem o seu carácter subsidiário, acessório e tendencialmente dispensável. Sendo certo que o debate político em Portugal sobre esta matéria permanece agarrado a conceitos e a dicotomias que noutros países foram ultrapassados há quase cinquenta anos, é no mínimo paradoxal que seja o próprio Estado a promover a ambiguidade: no mesmo documento em que se propõe regulamentar o financiamento público da criação artística, o Ministério da Cultura inclui inúmeros elementos que manifestamente contrariam o sentido e o alcance da intervenção do Estado nesta matéria.
Como tivemos oportunidade de escrever na carta enviada ao Ministro da Cultura, muitas destas incongruências estão enunciadas no Decreto-Lei já aprovado, estando portanto fora do alcance da discussão pública agora aberta pela DGArtes. Ainda assim, parece-nos desejável que, na Portaria que falta aprovar, sejam esclarecidos (e, na medida do possível, corrigidos) alguns dos aspectos que consideramos mais gravosos para o desenvolvimento sustentado da criação artística em Portugal. É esse o sentido do contributo que pretendemos dar com o presente documento, na perspectiva de colaboração e de parceria franca que, entendemos, deve caracterizar a relação entre o Ministério da Cultura e os agentes culturais na prossecução de objectivos comuns e de interesse público.

1. Quanto aos objectivos
A primeira perplexidade decorre da forma como se pretende “calibrar”, corrigindo assimetrias regionais, o “carácter nacional das candidaturas”, definindo à partida um tecto financeiro e um número máximo de candidaturas a apoiar em cada região. Na prática, e apesar de serem avaliados pelos mesmos jurados, os concorrentes apresentam-se a concursos distintos: uma companhia sediada na Região Norte não entra em concorrência com uma estrutura de Lisboa, uma vez que os “bolos” financeiros de onde vão sair os seus apoios são independentes. Para além de não estarem definidos os critérios em que a DGArtes se vai basear para definir os montantes e o número de projectos para cada região (ficando, por isso, potencialmente sujeitos a decisões arbitrárias), este cenário cria desde logo uma situação de desigualdade entre regiões: uma estrutura que tenha obtido uma pontuação mais elevada (atribuída pelo mesmo júri à luz dos mesmos critérios) pode vir a receber um apoio menor do que outra, pelo simples facto de estarem sediadas em regiões distintas e de a primeira ter um tecto financeiro inferior em relação à segunda. No mesmo sentido, não é claro se se pretende que “o montante de referência máximo de apoio financeiro por candidatura” seja igual para todo o país ou diferenciado de região para região. A primeira opção tem implicações orçamentais que, tendo em conta o espírito de restrição orçamental que marca todo o documento e as actuais diferenças de níveis de financiamento entre regiões, talvez não tenham sido devidamente ponderadas. A segunda opção parece-nos ilegal: proponentes a um mesmo concurso teriam as suas possibilidades de financiamento máximo diferenciadas à partida e administrativamente, antes sequer se serem avaliadas pelo júri. Neste contexto, o regulamento proposto não só não contribui para corrigir as assimetrias regionais como pode mesmo agravá-las por instituição legal.
Num outro plano, a definição dos objectivos específicos para cada área artística parece-nos excessivamente redutora. Não houve a preocupação de considerar as particularidades de cada área, o que resulta num redundante lista de generalidades que apenas aumenta as dificuldades dos jurados e potencia a arbitrariedade das suas decisões. No caso concreto do Teatro, é francamente decepcionante que o Estado não assuma como objectivos específicos, por exemplo, a valorização e divulgação da dramaturgia nacional e a sua internacionalização, tendo em conta o papel fundamental desta arte na promoção e na divulgação da língua portuguesa. É igualmente muito grave (embora coerente com o resto do articulado) que em momento nenhum se assuma o fortalecimento e a consolidação das estruturas de criação como um objectivo do financiamento público.

2. Quanto aos procedimentos
Para além das questões enunciadas no ponto anterior, os efeitos perversos da contradição entre um júri nacional e condicionalismos regionais agravam-se no “período de verificação”, em que a DGArtes define os montantes disponíveis para cada área artística dentro de cada região. O critério da “proporcionalidade relativamente ao total dos montantes solicitados por todas as candidaturas” é incompatível com as preocupações enunciadas com a “qualidade, exemplaridade e representatividade” e, sobretudo, com a preocupação com a excelência que o Estado não pode deixar de perseguir. Aceitando que os recursos são limitados e que é necessário estabelecer tectos orçamentais, exige-se contudo que esses tectos sejam estabelecidos de acordo com critérios que correspondam a uma intenção de intervenção estratégica e não que se refugiem numa “regra de três simples”. Exige-se, afinal, que a DGArtes seja algo mais do que uma secção de tesouraria do Ministério da Cultura.

3. Quanto aos critérios de avaliação
A preocupação com a quantificação dos critérios de avaliação do novo regulamento assenta na equívoca mas infelizmente habitual associação entre subjectividade e avaliação qualitativa. Ao subordinar os parâmetros a considerar pelos jurados à sua capacidade se serem reduzidos a números, a avaliação deixa de fora critérios objectivos importantes e equipara em termos reais (na medida em que têm um peso “matemático” igual) factores cuja importância, à luz dos objectivos do próprio regulamento, é muito distinta.
O principal exemplo desta situação é o critério definido como “capacidade de gerar receitas próprias e angariar financiamentos e outros apoios”. Em momento nenhum se define a tendência para a auto-sustentabilidade das estruturas de criação como um objectivo desta legislação. Ele seria, aliás, contraditório com a lógica de interesse público (bem) enunciada no Decreto-Lei: se se entende que as estruturas de criação prestam um serviço público, então deve ser claro que compete ao Estado assegurar a maior parte do seu financiamento, garantindo a sustentabilidade mínima dos agentes. Embora seja aceitável que se incentive a procura de fontes complementares de receitas, não faz sentido inverter a lógica, reservando um papel meramente subsidiário ao financiamento público – é enquadrável na lógica de serviço público a actividade de uma entidade que é financiada pelo Estado em apenas 10% (condição para se obter a pontuação máxima neste critério)? Tal como está formulado, e com a agravante de representar mais de 20% do total da avaliação, este factor introduz uma distorção absurda: quanto menos importante é o apoio do Estado para a entidade concorrente, maior será a verba atribuída! No caso de o Estado insistir em manter este critério, ele deverá ser pelo menos relativizado e enquadrado, como sub-parâmetro, na “consistência do projecto de gestão”, ao lado do equilíbrio orçamental, da razoabilidade das despesas, etc.
Por outro lado, não se entende a menorização da “pertinência do percurso artístico e profissional das equipas”, à qual é atribuída apenas metade do peso dos restantes critérios. A avaliação do trabalho anteriormente desenvolvido pelos concorrentes, sobretudo quando foram alvo de financiamento, acompanhamento e avaliação por parte do Ministério da Cultura, é precisamente um dos critérios mais objectivos ao dispor do júri para avaliar as candidaturas e, portanto, um dos mais importantes. Sugere-se, por isso, que este critério seja no mínimo equiparado aos restantes e que a “avaliação anterior das entidades candidatas” (actualmente remetida para a insignificância prática dos “critérios de majoração”) seja um dos sub-parâmetros a considerar neste domínio.
Só por lapso se pode ter considerado que a “definição de públicos-alvo e concepção do plano de comunicação e divulgação” poderia servir de parâmetro para avaliar a “qualidade artística” dos projectos. Trata-se naturalmente de tarefas de produção, que devem ser consideradas enquanto elementos do “projecto de gestão/administração” e, assim, contribuir para avaliar a sua consistência.
Finalmente, e em consonância com o que devia ser um objectivo estratégico do financiamento público do Estado, a dimensão e a solidez da estrutura (verificada pelo número e qualificação dos profissionais e de colaboradores a título permanente, entre outros indicadores) deveria igualmente ser um critério de avaliação, autónomo ou, no mínimo, integrado na “consistência do projecto de gestão”.
Em relação aos factores de majoração, é necessário clarificar se se pretende que eles sejam cumulativos entre si, ou seja, que permitam um acréscimo de 2 pontos por cada factor cumprido (até um máximo de 12, portanto). Caso contrário, é iguamente necessário esclarecer a partir de quantos factores cumpridos se tem direito aos 2 pontos de acréscimo ou se é necessário cumpri-los todos para obter essa majoração. Em qualquer dos casos, no entanto, e tendo em conta a importância substantiva de alguns dos factores enunciados – para além da já referida avaliação da actividade anterior, o apoio continuado do MC, a circulação nacional e internacional e o acolhimento de entidades emergentes –
o benefício real para as estruturas que cumpram estes requisitos é irrisório e não é susceptível de produzir qualquer efeito prático.
Há, no entanto, um factor essencial (que corresponde inclusivamente a um objectivo definido como central pelo próprio Ministério da Cultura) cujo valor, na actual formulação, é absolutamente nulo: a “localização da sede da entidade fora das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto”. Como vimos atrás, os concorrentes de regiões diferentes não concorrem entre si. Isto significa que, à excepção da Região Norte, em todas as outras regiões a plenitude dos concorrentes satisfaz (no Centro, no Alentejo e no Algarve) ou não satisfaz (em Lisboa e Vale do Tejo) este factor, o que elimina o seu potencial de discriminação positiva e de correcção de assimetrias regionais que se pretende que tenha.
Inútil em quase todo o território nacional, o factor da “localização” só funciona na Região Norte (valorizando uma proposta de Bragança em relação a uma proposta do Porto) acaba por servir apenas uma parte dos concorrentes, o que mais uma vez agrava (em vez de atenuar) as desigualdades entre regiões e entre candidatos.

4. Quanto à distribuição do apoio financeiro
Evidenciámos já alguns importantes factores que distorcem a ilusória “neutralidade” e “objectividade” da fórmula matemática proposta para o cálculo do montante a atribuir: independentemente da qualidade do projecto (teoricamente aferida pelo júri em função dos critérios de avaliação atrás discutidos), o segundo termo da multiplicação (montante solicitado) é condicionado à partida pelo “montante de referência máximo por candidatura”, administrativamente definido pela DGArtes.
Debruçamo-nos agora sobre o terceiro termo da fórmula – o “factor de distribuição”, calculado no cruzamento entre o orçamento global da estrutura e o volume de actividade. O regulamento propõe uma grelha de pontuação para diferentes tipos de actividade cuja coerência (interna e em relação ao resto do documento) não descortinamos. Deixamos alguns exemplos e interrogações:
- se a “circulação nacional” é um factor a valorizar, e sendo certo que um espectáculo em itinerância envolve mais recursos técnicos e humanos e implica maiores tempos de montagem (incluindo várias horas de deslocações), não seria justo um factor de ponderação superior ao aplicável a espectáculos apresentados no próprio espaço das estruturas (1,5 ou 2, por exemplo)?
- já que a internacionalização é um desígnio do Ministério da Cultura, previsto no próprio Programa do Governo, mas que o regulamento agora proposto a ignora por completo, deixando os criadores sozinhos na procura dos meios indispensáveis à sua concretização, sem disporem sequer de legislação ou apoios complementares a que possam recorrer, não seria, no mínimo, de reforçar a ponderação de espectáculos apresentados fora do país (2 ou 2,5, por exemplo)?
- o que se entende pelos conceitos de “acção de formação” e de “residência artística”, quando, apesar de serem factores teoricamente valorizados, são depois objecto de ponderações mínimas – 0,5 por cada conjunto de 30 horas de formação e 0,75 por cada mês de residência artística?

5. Quanto às comissões de apreciação
Obervámos na carta enviada ao Ministro da Cultura as possíveis consequências do regresso ao modelo dos júris nacionais, num contexto em que nos parece existirem dificuldades para encontrar pessoas que reúnam, neste momento, as características previstas no Decreto-Lei. A análise mais pormenorizada da portaria acentua, como vimos, algumas das incongruências deste modelo, ao clarificar que se trata de
um mesmo júri mas que trabalha com pressupostos diferentes de região para região.
Por outro lado, não encontramos justificação para a distinção que é feita, ao nível do modelo de apreciação das candidaturas, entre os apoios quadrienais, bienais e anuais, por um lado, e os apoios pontuais, por outro. Enquanto que os primeiros são avaliados por um júri de especialistas externos ao Ministério, os segundos são escolhidos pelos técnicos da Direcção Geral das Artes. A haver razões para uma diferença de procedimentos, parece-nos que deveria ser exactamente ao contrário, pelo menos no que diz respeito aos apoios quadrienais. É que a estes apoios apenas podem concorrer as estruturas com um mínimo de seis anos de actividade e que tenham beneficiado de apoio financeiro do Ministério durante um período mínimo de três anos nos últimos seis. É sobre estas estruturas, portanto, que a DGArtes possui a melhor e mais completa informação (incluindo decisões de júris anteriores e relatórios das comissões de acompanhamento nomeadas pelo Ministério da Cultura), pelo que estaria em muito melhores condições de avaliar os projectos apresentados e respectiva capacidade de execução por parte dos concorrentes.

12/09/08

CTB prepara nova produção


As Bacantes
de Eurípides são a nova peça que a CTB irá apresentar no Theatro Circo. Com estreia prevista para Novembro, o espectáculo contará com a presença dos actores seleccionados através das audições realizadas em Braga e Camaçari (Brasil).

Considerado por Aristóteles como "o mais trágico de todos os poetas”, Eurípides (Salamina, 485 a. C. - Pella, 406 a. C., antiga Grécia) foi, ainda, encarado não apenas como um experiente homem de teatro, mas também como um pensador e filósofo.


SINOPSE:
Um espectáculo sobre o Sentir, o Saber e o Acreditar!
Sobre a Política e a organização da Cidade.
Sobre a Vingança.
Sobre a necessidade mais funda que temos de dizer Não e de rompermos a Norma.

Um espectáculo sobre a Condição Humana.
A luta entre o Sagrado e o Profano.
Um caminho de Viajantes e de Confronto de Identidades.

Um espectáculo de Mulheres!
Uma tragédia do Mundo!



FICHA ARTÍSTICA:
Autor: Eurípides
Encenador: Rui Madeira
Actores: Carlos Feio, Jaime Soares, Rogério Boane, Rui Madeira, Solange Sá, Teresa Chaves
Actores estagiários no âmbito da Cena Lusófona: Allex Miranda, Mabelle Magalhães, Thamara Thaís
Actores estagiários no âmbito da oficina "Bacantes: uma orgia do Poder": Aleixo Morgado, Alexandra Corunha, Raquel Ferreira, Ana Lestra Gonçalves, Ana Cristina Oliveira, André Silva, Ângela Leão, Armanda Barbosa, Carina Luz, Sofia Miranda, Cristina Silva, Flávia Neves, Marisa Queirós, Maria José Barbosa
Dramaturgia: Rui Madeira
Cenografia: Samuel Hof
Figurinos: Sílvia Alves
Criação Vídeo: Pedro Pinto
Desenho de luz: Fred Rompante
Grafismo: Carlos Sampaio

11/09/08

Passatempo: O ESCARAVELHO CONTADOR


Gostaria de ganhar bilhetes duplos para a peça O Escaravelho Contador de Manuel António Pina, em cena no Pequeno Auditório do Theatro Circo, nos dias 20, 21, 27 e 28 de Novembro?

Para se habilitar só tem de nos enviar um e-mail para info@ctb.pt com os seus dados pessoais (nome e endereço de e-mail) e responder à questão: qual foi a data de estreia desta produção?

A CTB irá sortear 2 bilhetes duplos para cada sessão.
Os primeiros a responderem acertadamente serão contactados por e-mail.

Boa sorte!

01/09/08

Última hora

Companhias descentralizadas contestam
regulamento aprovado em segredo



Cinco companhias de teatro descentralizadas – ACTA, do Algarve; A Escola da Noite, de Coimbra; o Cendrev, de Évora; a Companhia de Teatro de Braga; e o Teatro das Beiras, da Covilhã – contestaram hoje o novo regulamento de apoio à criação artística aprovado no Conselho de Ministros do passado dia 14 de Agosto.
Estas estruturas criticam, numa carta enviada ao Ministro da Cultura, o “secretismo” com que a legislação foi preparada, sem ouvir os agentes culturais a quem se destina, apesar dos pedidos formais para o efeito e, até, dos compromissos assumidos por responsáveis do Ministério. Pelo contrário, o Governo exigiu “confidencialidade” no parecer que, por força da lei, foi obrigado a pedir à Associação Nacional de Municípios.
As companhias contestam, ainda, a oportunidade e a justificação deste novo regulamento, que vem substituir uma legislação de 2006, aprovada já pelo actual Governo, e que nem chegou sequer a entrar em vigor. Nos últimos dez anos, esta é a quarta alteração significativa no sistema de financiamento público à criação artística, o que “tem como única e contraditória consequência a total desestruturação do sector que o Estado se propõe apoiar”.
Depois de terem tido finalmente acesso ao documento, “através das autarquias” e de uma forma “clandestina”, as companhias, sediadas em algumas das mais importantes cidades médias do país, afirmam que o diploma “corresponde a uma mudança significativa do espírito e da filosofia inerente às normas aprovadas em 2006” e denunciam as suas contradições em relação ao Programa de Governo.
No primeiro dos quatro pontos em que fundamentam a sua posição, as signatárias afirmam que a nova lei vem contribuir ainda mais para a desestruturação do sector da criação artística, ao pretender por “em pé de igualdade” grupos e realidades muito distintas, tanto em relação ao número de anos de actividade quanto ao nível de profissionalimo. Contestam, nomeadamente, a eliminação dos conceitos de “núcleo profissional permanente” e de “tempo integral ou equivalente”, definidos como critérios de diferenciação na lei de 2006 e agora revogados, bem como a não separação entre apoios à criação e apoios à programação, em clara oposição ao estabelecido no Programa de Governo. “Sem uma adequada clarificação do papel da criação artística numa sociedade”, afirmam, “será impossível estruturar qualquer política cultural coerente para o país e avaliar a forma como é concretizada a missão de serviço público nesta área”.
As companhias criticam ainda a revogação do “processo simplificado”, que não vai chegar a entrar em vigor em 2009, como estava previsto. No caso do teatro, este regime previa que estruturas com mais de 15 anos de actividade, apoiadas há mais de oito anos, com um “núcleo profissional permanente” e com acesso regular a instalações licenciadas pudessem ser convidadas, mediante a obtenção de um parecer favorável das comissões nomeadas pelo Governo que acompanharam o seu trabalho ao longo dos últimos quatro anos, a celebrar directamente um contrato-programa com a Direcção-Geral das Artes. A nova lei, “em nome de uma equívoca interpretação do conceito de equidade”, retoma a universalidade dos concursos e regressa à fórmula de júris nacionais que existia há dez anos. Na carta enviada ao Ministro, estas companhias afirmam não ter qualquer posição de princípio contra o carácter nacional dos júris, mas constatam: “serão muito poucas as pessoas que estão em condições de avaliar o trabalho desenvolvido nos últimos anos pela globalidade das estruturas do país”. Neste sentido, afirmam: “é fundamental que as pessoas que venham a ser nomeadas para esta função sejam efectivamente idóneas, isentas e conhecedoras da realidade da criação artística em todo o território nacional”. Sobre estas pessoas, acrescentam, “recai a responsabilidade de possibilitar a sobrevivência ou condenar ao desaparecimento estruturas de criação com percursos reconhecidos”. Prevendo um aumento exponencial da arbitrariedade a que vão ficar sujeitas, afirmam: “é absolutamente chocante que alguém possa avaliar o trabalho de uma estrutura sem que o conheça”.
As preocupações manifestadas por este conjunto de companhias são particularmente relevantes fora de Lisboa, onde as estruturas de criação se confrontam “com dificuldades específicas que o governo teima em ignorar”. Para além dos custos acrescidos com a contratação de pessoal, decorrentes das maiores dificuldades dos artistas contratados fora da capital para conciliar segundos e terceiros empregos, o regresso a júris nacionais desinformados e desconhecedores da realidade do país afigura-se como especialmente prejudicial e injusto para as companhias que, pelo facto de estarem sediadas noutras cidades, vêem sistematicamente dificultado o seu acesso aos órgãos de comunicação social nacionais e são ignoradas pela crítica especializada.
Finalmente, as companhias do Algarve, de Braga, de Coimbra, da Covilhã e de Évora acusam este novo regulamento de “não ser mais do que uma forma de disfarçar o crónico e cada vez mais grave sub-financiamento do sector”. Ao contrário do que se defende no Programa de Governo - “retirar o sector da cultura da asfixia financeira em que três anos de governação à direita o colocaram” - o orçamento para a cultura tem vindo a diminuir sucessivamente ao longo do mandato, “reflexo da crescente perda de peso político de capacidade reivindicativa do respectivo Ministério”. As alterações agora aprovadas surgem, no seu entender, como “uma espécie de bodo aos pobres, que se limita a manter tudo na mesma, dando pouco a muitos e procurando distribuir o mal pelas aldeias”.
Na carta enviada ao Ministro da Cultura, estas companhias recusam-se a pactuar com o que consideram ser “uma visão redutora e instrumental do papel da criação artística” e reiteram a sua disponibilidade para “verdadeiramente trabalhar em parceria com o Estado na concretização de objectivos comuns e de interesse público”. Lamentam, por isso, que a nova legislação elimine os mecanismos aprovados em 2006 que possibilitavam ao Estado “considerar os casos concretos de cada estrutura e estabelecer contratos estáveis com aquelas que entendesse serem as mais bem posicionadas para esse fim, de acordo com critérios claros e definidos em função do interesse público”.
Sediadas em cidades incontornáveis para a definição de qualquer política de desecentralização, muitas das estruturas de criação sediadas fora de Lisboa têm dado “um inquestionável contributo para o desenvolvimento cultural do país”, oferecendo “uma voz própria” às suas localidades, “activando redes de circulação e intercâmbio, dinamizando espaços e justificando a construção ou recuperação de outros, formando públicos, auxiliando escolas e universidades no processo educativo, formando ou integrando no mercado de trabalho os novos profissionais, estabelecendo colaborações com outras instituições, nacionais e internacionais”.
“Não valorizar o trabalho destas estruturas, a sua implantação no terreno e o reconhecimento que souberam merecer com o trabalho desenvolvido parece-nos um contra-senso, até do ponto de vista da mera gestão dos recursos disponíveis”, adiantam estas companhias, que concluem: “Embora constrangidas pela asfixia financeira que o próprio Governo reconhece no seu Programa, elas dispõem de recursos humanos e técnicos e de uma implantação no terreno de que não faz sentido que o Estado abdique na definição e na concretização de qualquer estratégia de desenvolvimento”.

Coimbra, 29 de Agosto de 2008.

ACTA – A Companhia de Teatro do Algarve
A Escola da Noite – Grupo de Teatro de Coimbra
Centro Dramático de Évora
Companhia de Teatro de Braga
Teatro das Beiras

carta ao Ministro da Cultura

Assunto: novo quadro legislativo sobre o apoio à criação artística


Exmo. Senhor,

No passado dia 15 de Julho, subscrevemos uma carta dirigida a V. Excia. expondo a nossa preocupação pela forma como estavam a ser conduzidas as alterações ao regulamento do apoio público à criação artística, nomeadamente no que respeita à falta de envolvimento dos agentes culturais por ele abrangidos e ao calendário escolhido para este processo. Solicitámos ao Ministério da Cultura, neste sentido, “a ampla divulgação e justificação pública das alterações que pretende ver aprovadas, bem como dos prazos em que pretende fazê-lo, de forma a garantir o normal funcionamento das estruturas de criação financiadas pelo Estado”.

Na sequência desta iniciativa, o Senhor Director-Geral das Artes entendeu convocar-nos para uma reunião. Neste encontro, que teve lugar a 22 de Julho, o responsável pela DGA teceu algumas considerações genéricas sobre os objectivos da alteração legislativa e comprometeu-se a: 1) enviar-nos a proposta do novo Decreto-Lei para que pudéssemos analisá-la e emitir a nossa opinião; 2) estudar a possibilidade de abrir um curto mas amplamente divulgado processo de discussão pública entre os agentes culturais.
Quando aguardávamos, em vão, a satisfação destes dois compromissos, fomos surpreendidos pela notícia da aprovação, no Conselho de Ministros do passado dia 14 de Agosto, do novo Decreto-Lei, cujo conteúdo continua sem ser publicamente conhecido, nem sequer nos sítios oficiais do Ministério da Cultura ou da Direcção-Geral das Artes.
Confirmaram-se, quanto ao método adoptado, os piores receios que manifestámos há um mês atrás. As alterações foram preparadas num incompreensível e muito preocupante ambiente de secretismo, tendo sido discutidas apenas com um restrito grupo de pessoas e instituições escolhidas pelo Ministério. Ao que se sabe, foram ouvidas duas estruturas – a Rede, da área da dança, e a Plateia, ligada ao Teatro. Neste segundo caso, trata-se de uma associação que não representa sequer o teatro da cidade onde tem sede, o Porto. Viemos a saber mais tarde que foi aberta uma segunda via de “discussão”, junto da Associação Nacional de Municípios Portugueses, com carácter de “urgência” e “confidencialidade”. O Ministério solicitou-lhe um parecer a 7 de Agosto, estabelecendo o dia 13 como data-limite para a resposta. O Decreto-Lei foi aprovado no Conselho de Ministros menos de 24 horas depois, a 14 de Agosto. O que pensarão os autarcas, particularmente os que repararem neste calendário, quanto ao tipo de discussão pública solicitada pelo Ministério da Cultura? Qual foi o caixote do lixo para onde foi atirado o parecer da ANMP?
Trata-se de um grave desvio ao princípio da transparência que deve orientar o exercício do poder num Estado democrático, sobretudo tendo em conta que a legislação agora alterada (o Decreto-Lei 225/2006, de13 de Novembro) foi aprovada, por este mesmo Governo, na sequência de um amplo e participado processo de consulta aos agentes culturais. Relembramos que, na sequência de várias visitas a estruturas e agentes culturais por todo o país, a anterior Ministra e o anterior Secretário de Estado apresentaram publicamente o projecto de decreto-lei, com grande solenidade simbólica, numa sessão aberta a todos os interessados, no Centro Cultural de Belém. Para além do debate aí realizado, seguiu-se depois um período de discussão pública, de onde resultou o regulamento provavelmente mais discutido e consensual dos últimos anos. O que justifica, agora, esta pressa e este secretismo por parte do Ministério da Cultura? A quem interessam estas alterações e esta forma envergonhada de proceder?
O facto de terem sido ignorados os contributos que poderiam ser dados por aqueles que trabalham no terreno há vários anos e melhor conhecem as características, as dificuldades e as potencialidades do sector tem consequências substanciais na qualidade do novo regulamento. Saliente-se, a propósito, que a legislação em causa pretende regular a prestação de um Serviço Público na área da cultura, concretizado através de parcerias contratualizadas entre o Ministério e entidades privadas, singulares ou colectivas. Não faria pois sentido, neste contexto, que tais entidades fossem pelo menos informadas e ouvidas antes da aprovação do regulamento?
O documento agora aprovado, ao qual fomos forçados a aceder de uma forma “clandestina”, precisamente através das autarquias, ressente-se desta falta de participação pública. Ao contrário do que chegou a ser dito pelos responsáveis do Ministério, este novo regulamento não introduz apenas “pequenas alterações” na legislação anterior. Ele corresponde a uma mudança significativa do espírito e da filosofia inerente às normas aprovadas em 2006 e é marcado por fortes contradições internas, afastando-se dos compromissos assumidos no Programa deste Governo, cujo cumprimento até ao final do mandato, em matéria de “Valorizar a Cultura” (Capítulo II, Ponto II) se afigura cada vez mais distante.

1. A desestruturação do sector
Nos últimos anos, a regulamentação do apoio à criação artística vem sofrendo alterações profundas ao ritmo dos sucessivos governos (1998, 2003, 2006) – depois do mandato de Manuel Maria Carrilho, que criou o Instituto Português das Artes do Espectáculo (depois Instituto das Artes e hoje Direcção-Geral das Artes), entrámos num autêntico carrossel legislativo, que tem como única e contraditória consequência a total desestruturação do sector que o Estado se propõe apoiar. Em 2002 iniciou-se a primeira revisão, que foi aprovada em 2003 e entrou em funcionamento em 2004. Em 2005 anuncia-se nova revisão e inicia-se a discussão pública dos regulamentos que, aprovados em 2006, deveriam entrar em vigor em 2009. A alteração agora aprovada introduz um caso insólito, ao incidir sobre um regulamento aprovado já no corrente mandato e cujos principais efeitos práticos nem sequer chegaram a entrar em vigor. Como estamos no último ano de mandato do actual Governo, é fácil imaginar o que vai acontecer em 2009/2010...

Por si só, estas constantes modificações têm impedido a consolidação das estruturas de criação existentes no país, permanentemente confrontadas com alterações nos objectivos e nas regras definidos pelo Estado.
Elas limitam-se a tentar sobreviver ao dilúvio legislativo que sobre elas se tem abatido e já só pedem que,por uma vez, deixem uma lei aprovada funcionar durante um período razoável de tempo.
O programa de governo reconhece isso mesmo e, propondo-se “esclarecer regulamentações e missões” e evitar “descontinuidades indesejáveis”, parecia dar-nos razão, até ao surgimento deste novo processo de alteração.
No preâmbulo do decreto-lei agora aprovado é igualmente enunciada a “necessidade de consolidação, dinamização e desenvolvimento sustentado das actividades artísticas”. Na prática, no entanto, ele vai na direcção oposta, ao revogar alguns dos passos importantes que haviam sido dados na legislação de 2006 e que iriam começar agora a ser aplicados.
Falamos, por exemplo, das definições de “núcleo profissional permanente” e de “tempo integral ou equivalente”, conceitos que a anterior regulamentação veio introduzir. Eles constituíam um primeiro mas essencial contributo para a clarificação do que é uma estrutura profissional de criação artística, necessariamente diferente (em termos de estabilidade, de recursos necessários e de compromissos assumptíveis) quer de criadores a título individual, quer de outro tipo de estruturas de criação, em que a maioria ou a totalidade dos seus membros desenvolve paralelamente outro tipo de actividades. Em nome de uma equívoca interpretação do conceito de “equidade” e justificando-se com o suposto “favorecimento” de algumas entidades, o novo regulamento pura e simplesmente anula esta clarificação, pondo “em pé de igualdade”, num mesmo concurso, realidades substancialmente diferentes. Para além de ignorar uma conclusão a que este governo já havia chegado – não se pode comparar o que é incomparável – a nova (velha) metodologia despreza o potencial de uma adequada distinção entre diferentes tipos de entidades e de projectos, tanto na qualidade e diversidade do serviço público prestado quanto na rentabilização e racionalização dos fundos nele investidos.
Com a mesma preocupação de clarificação, lê-se no Programa de Governo: “importa separar o
financiamento à criação do financiamento à programação”. Coerentemente, o decreto-lei agora revogado previa processos diferenciados para estas duas áreas, que na verdade correspondem a vectores complementares, mas distintos, do Serviço Público na cultura. Nos casos em que uma mesma estrutura acumulasse as duas funções, deveriam ser estabelecidos contratos diferentes, distinguindo-se com clareza os financiamentos e as responsabilidades específicas de cada caso. Pelo contrário, e sem que para isso se apresente qualquer justificação, o novo regulamento acaba com esta distinção, indicando erroneamente que o decreto-lei anterior “desconsiderava” as entidades “que conjugam criação e programação”. Não se trata de uma mera questão formal: sem uma adequada clarificação do papel da criação artística numa sociedade, será impossível estruturar qualquer política cultural coerente para o país e será impossível, em última instância, definir, acompanhar e avaliar a forma como é concretizada a missão de serviço público nesta área.

2. O reforço da arbitrariedade
Uma das justificações avançadas pelo Ministério da Cultura para esta alteração prende-se com o suposto “favorecimento” de algumas entidades em relação a outras. Não chega a entrar em vigor, por isso, o “regime simplificado” previsto pelo decreto-lei de 2006. No caso do teatro, este regime previa que estruturas de criação com mais de 15 anos de actividade, apoiadas há mais de oito anos pelo Ministério da Cultura, com um núcleo profissional permanente e com acesso regular a instalações licenciadas pudessem ser convidadas, mediante a obtenção de um parecer favorável das comissões nomeadas pelo Ministério da Cultura que acompanharam o seu trabalho ao longo dos últimos quatro anos, a celebrar um contrato-programa com a Direcção-Geral das Artes, sem necessidade de ir a concurso. Vale a pena reflectir sobre
estes pré-requisitos. Não só são exigentes como assentam em avaliações feitas directamente pelo Ministério, que através deles controla a qualidade do serviço público que é prestado: se uma determinada companhia foi apoiada durante oito anos significa, no mínimo, que já foi avaliada por três júris diferentes e que os dois últimos puderam já avaliar a sua capacidade para cumprir as obrigações previstas nos contratos anteriores. Além disso, são chamadas a pronunciar-se, sobre o trabalho de cada companhia, as comissões de acompanhamento e avaliação, que existem desde 2004 e funcionam regionalmente, na dependência directa do Ministério. Só existiria “favorecimento” se o Estado não confiasse nos mecanismos de avaliação e controlo que ele próprio criou e financia.
Em oposição a este regime “simplificado”, o novo decreto-lei mantém a regra que tem vigorado até aqui: todas as entidades terão que ir a concurso, em “pé de igualdade”, independentemente do seu perfil. Alarga-se assim, afirma-se, “o leque das entidades beneficiárias”. Defendida como mais “equitativa”, esta opção é, na verdade, menos séria: uma estrutura com mais de 15 anos e que há pelo menos oito tem sido sucessivamente apoiada pelo Ministério não deu já provas suficientes de qualidade, idoneidade e responsabilidade para que o Estado decida contratualizar directamente com ela a prestação de um serviço público? uma estrutura com um núcleo profissional permanente (mínimo de 5 pessoas a tempo integral, incluindo o/a director/a artístico/a) está “em pé de igualdade” com uma outra composta apenas por pessoas para quem a criação artística é uma actividade complementar às suas outras profissões? uma estrutura cujo trabalho nos últimos quatro anos foi acompanhado e positivamente avaliado por uma comissão de acompanhamento, nomeada pelo Ministério da Cultura, está em “pé de igualdade” com outra que não foi sujeita a esse acompanhamento?
Num cenário em que todas as estruturas continuarão a ter que estar sujeitas a concurso, vale a pena reflectir sobre a composição e a forma de funcionamento dos júris a quem caberá avaliar as propostas. Ao contrário da lei que vigorava em 2004 (data dos últimos concursos para contratos quadrienais e bienais), o actual governo optou por eliminar os júris regionais e regressar à fórmula de um júri nacional para cada área artística. Não temos sobre isso nenhuma posição de princípio, a não ser a que reside numa constatação de facto: serão muito poucas as pessoas que estão em condições de avaliar o trabalho e os percursos desenvolvidos nos últimos anos pela globalidade das estruturas espalhadas pelo país, condição indispensável para que, com rigor, se possa compreender, comparar e hierarquizar projectos. Aumentam exponencialmente, portanto, os riscos de a avaliação residir exclusivamente no formato gráfico das candidaturas e na capacidade retórica de quem as redige, menosprezando contextos, realidades específicas, provas dadas no terreno e, sobretudo, as linguagens e identidades artísticas que caracterizam cada estrutura de criação. Aumenta exponencialmente, em consequência, a sujeição dos criadores artísticos à arbitrariedade de um reduzido conjunto de pessoas. A “garantia de transparência e equidade no processo concursal” que o novo decreto-lei pretende ver reforçada sai pois, pelo contrário, seriamente diminuída.
Neste contexto, é fundamental que as pessoas que venham a ser nomeadas para esta função (e sobre as quais recai a responsabilidade de possibilitar a sobrevivência ou condenar ao desaparecimento estruturas de criação com percursos reconhecidos) sejam efectivamente: 1) idóneas; 2) isentas e 3) conhecedoras da realidade da criação artística em todo o território nacional – é absolutamente chocante que alguém possa avaliar o trabalho de uma estrutura sem que o conheça. Por razões de transparência, os nomes das pessoas que vierem a ser escolhidas devem naturalmente ser divulgados antes da abertura dos concursos.

3. Descentralização
Falámos até aqui de questões que afectam, de uma forma geral, a qualidade e a eficiência do novo regulamento naquela que é a sua função essencial: assegurar as condições para a existência de criação artística em Portugal no âmbito de uma missão de serviço público. Na definição que faz de “serviço público”, o novo decreto-lei inclui a descentralização como um dos seus elementos-chave: “promover e consolidar o acesso às actividades artísticas de todos os portugueses e estrangeiros residentes em Portugal, independentemente da sua área de residência (...)” e “promover e consolidar o desenvolvimento equitativo das actividades artísticas em todo o território nacional e a correcção das assimetrias regionais”.
Ocorre que os problemas que detectámos e enunciámos até aqui são particularmente gravosos para as estruturas de criação artística sediadas fora de Lisboa, já hoje a braços com dificuldades específicas que o governo teima em ignorar e que têm condicionado de forma muito séria as possibilidades de uma efectiva descentralização cultural no país.
A manutenção das indefinições quanto ao que é uma estrutura profissional de criação artística, mantendo o conceito (e, por arrasto, o sector) numa abstracção onde cabe tudo, favorece as situações de precariedade laboral, os regimes de trabalho a tempo parcial, o duplo ou triplo-emprego e o recurso sistemático aos “recibos verdes”. Nenhuma das ideias feitas sobre as “especificidades” do sector artístico ou sobre o gosto dos artistas pela “liberdade” serve para justificar o que decorre, antes de mais, das enormes dificuldades das estruturas em manter um quadro mínimo de pessoal com alguma estabilidade. Nenhuma destas ideias feitas resolve os problemas das principais vítimas desta situação – os artistas, técnicos e produtores que trabalham nas estruturas – nem contribui para a consolidação do sector. Se é verdade que esta situação é comum a Lisboa e ao resto do país, a capacidade que as estruturas têm, num e no outro lado, para lidar com ela é muito diferente. Enquanto que, na capital, se encontra facilmente, por exemplo, um actor que aceita participar num espectáculo de teatro, conseguindo conciliá-lo com as gravações de um programa televisivo, com dobragens ou com outra qualquer actividade, os custos de contratação de pessoal especializado (na actuação, na técnica ou na produção) nas outras cidades são naturalmente muito maiores, porque, na prática, obrigam a contratos de exclusividade e a subsídios de alojamento.
Por outro lado, o regresso aos júris nacionais, no actual contexto da criação artística em Portugal, é claramente prejudicial para as estruturas sediadas fora de Lisboa, permanentemente diminuídas no acesso aos órgãos de comunicação nacionais e praticamente excluídas de qualquer “roteiro” da crítica que por cá se faz. Também aqui, o “pé de igualdade” é uma perigosa ilusão: uma estrutura cujas estreias são regularmente noticiadas nos diários de referência e nos suplementos culturais de fim-de-semana e que tem pelo menos um ou dois dos seus espectáculos anuais a merecer uma crítica está “em pé de igualdade” com outra que é sistematicamente ignorada pelos jornais nacionais e que só consegue uma crítica quando consegue apresentar os seus espectáculos em Lisboa?

4. O disfarce do sub-investimento
O decreto-lei de 2006, agora revogado, assentava implicitamente num objectivo estratégico definido pelo Programa de Governo:
“O compromisso do Governo, em matéria de financiamento público da cultura, é claro: reafirmar o sector como prioridade na afectação dos recursos disponíveis. Neste sentido, a meta de 1% do Orçamento de Estado dedicada à despesa cultural continua a servir-nos de referência de médio prazo, importando retomar a trajectória de aproximação interrompida no passado recente.”
Só isto permitiria, acrescenta o documento, “retirar o sector da cultura da asfixia financeira em que três anos de governação à direita o colocaram”. E não será por acaso que o diploma entraria realmente em vigor apenas em 2009, no último ano de mandato do actual governo.
Acontece que, ao invés, o orçamento para a cultura tem vindo a diminuir, reflexo da crescente perda de peso político e de capacidade reivindicativa do respectivo Ministério. O falhanço completo do segundo objectivo enunciado no Programa de Governo – “valorizar o investimento culturalmente estruturante, na negociação do próximo Quadro Comunitário de Apoio (2007-2013)” – é disso um outro bom exemplo.
Neste contexto, mesmo a legislação agora revogada anunciava-se já como uma enorme decepção e só poderia ser cumprida caso o próximo Orçamento Geral do Estado invertesse a tendência que este governo(que criticava os anos da “direita”) viria afinal a acentuar entre 2006 e 2008. Ela abria um enorme conjunto de expectativas, alargando o número de concursos, de programas e de entidades a apoiar e destinava-lhes depois verbas ridiculamente baixas, como se viu (entre os poucos concursos que chegaram a ser abertos no seu âmbito) no caso dos “protocolos tripartidos”, cujo montante global para todo o país se cifrava em 200 mil Euros.
Na perspectiva de que o orçamento para 2009 não trará, afinal, nenhuma inversão desta tendência, o novo diploma parece não ser mais do uma forma de disfarçar o crónico, escandaloso e cada vez mais grave sub-financiamento do sector. Ele surge como uma espécie de “bodo aos pobres”, que se limita a manter tudo na
mesma, dando pouco a muitos e procurando distribuir o mal pelas aldeias.


Em conclusão, e apesar de não terem sido convidadas para o efeito, as companhias de teatro abaixo-assinadas entendem ter a obrigação de manifestar o seu desacordo face ao essencial das alterações recém-aprovadas, nas quais não vêem qualquer sentido estratégico. Pelo contrário, constatamos que se trata de um regresso ao passado, que irá manter o sector na agonia em que permanece há vários anos, com os resultados que se conhecem.
Com o regulamento de 2006, agora revogado antes mesmo de começar a funcionar, o Estado tinha dado um passo muito importante nesta área: pela primeira vez, dispunha de um mecanismo legal para considerar os casos concretos de cada estrutura e estabelecer contratos estáveis com aquelas que entendesse serem as mais bem posicionadas para esse fim, de acordo com critérios claros e definidos em função do interesse público.
O novo regulamento deita por terra essa oportunidade e continua, na prática, a considerar o financiamento público da criação artística como matéria acessória no âmbito da intervenção estatal, numa desresponsabilização caritativa e paternalista, que se limita a dar dinheiro e se desinteressa dos resultados, apesar da retórica da “fiscalização”. Com os meios que afecta a este capítulo do investimento público e dispersando-os sem nenhuma espécie de ancoragem na realidade do terreno, o Estado perde em eficiência e na qualidade dos resultados o que (só eventualmente) ganha com a tranquilidade mediática de quem tem as suas clientelas satisfeitas.
Recusamo-nos a pactuar com esta visão redutora e instrumental do papel da criação artística. Por isso voltamos a manifestar a nossa disponibilidade para verdadeiramente trabalhar em parceria com o Estado, enquanto entidades responsáveis e responsabilizáveis, com provas dadas e trajectos reconhecidos, para a concretização de objectivos comuns e de interesse público.
As nossas companhias são algumas das 10/12 estruturas de criação espalhadas pelas principais cidades fora de Lisboa e Porto, que constituem um sector específico no sistema teatral português. Ao longo das últimas décadas, têm dado um inquestionável contributo para o desenvolvimento cultural do país – oferecendo uma voz própria às cidades onde estão sediadas, activando redes de circulação e intercâmbio, dinamizando espaços e justificando a construção ou recuperação de outros, formando públicos, auxiliando escolas e universidades no processo educativo, formando e integrando no mercado de trabalho os novos profissionais, estabelecendo colaborações com outras instituições, nacionais e internacionais.
Não valorizar o capital destas estruturas, a sua implantação no terreno e o reconhecimento que souberam merecer com o trabalho desenvolvido parece-nos um contra-senso, até do ponto de vista da mera gestão dos recursos disponíveis. Embora constrangidas pela asfixia financeira que o próprio governo reconhece no seu Programa, elas dispõem de recursos humanos e técnicos e de uma implantação no terreno de que não faz sentido que o Estado abdique na definição e na concretização de qualquer estratégia de desenvolvimento.


Com os melhores cumprimentos,

ACTA – A Companhia de Teatro do Algarve
A Escola da Noite – Grupo de Teatro de Coimbra
Centro Dramático de Évora
Companhia de Teatro de Braga
Teatro das Beiras