Na morte de Günter Grass
: dois pontos e uma vírgula, em favor da Memória
. Günter Grass já está morto. O tambor tocou os últimos rufos. O
menino fez-se à terra. O homem que nos contava do seu tempo e do nosso, que nos
viu através da caneta e do lápis e talvez da pena e creio que nunca da pen,
foi-se. Foice! Aquele que nos ilustrou demais e que nos caricaturou de menos, que nos desenhou no abismo e que nos sussurrou metáforas
impiedosas como só ele sabia para nos fazer chorar ou rir, já cá não mora. A
memória do seculo vinte perdeu um cérebro, um muro, um mundo, um murro no
estômago da ausência… já cá não vive um daqueles que sabem tanto que nunca nos
dizem tudo, talvez porque entendam que não merecemos saber esse Tudo que a vida
nos oferece. Gunter Grass foi Tudo e foi Mistério, como alguns outros grandes
do século passado. Com esses se fez e se desfez a Memória do século XX.
. Os Jornais, as televisões, os blogs, o facebook, o twitter e toda
a blogosfera escreverá, discutirá, reflectirá, mentirá a seu bel prazer sobre a
Figura. Durará 3 dias. Depois morrerá outra vez. É o espectáculo. É este o
Tempo e a sua efémera memória.
, Em 1980 um grupo de pessoas artistas jovens e menos jovens,
alguns hoje já mortos também, partiam em Setembro mês de Poetas numa aventura
que dura há 35 anos. Tinham acabado de formar a Cena, companhia de teatro, no
Porto, animados num projecto diferente pelo menos e a sua primeira escolha foi
exactamente Gunter Grass. Um texto, uma peça A CHEIA. Uma exposição
bibliográfica, um Ciclo de Documentários e Filmes sobre o Autor e a sua Obra. Foi
há muito. foi há 35 anos, e talvez já ninguém se Lembre. Mas porque a hoje
denominada Companhia de Teatro de Braga comemora exactamente 35 anos, porque
não este pretexto para reavivar a
Memória. Essa aventura antiga de A CHEIA fez-se com pessoas, Mário Barradas que
encenou, Ruy Anahory que cenografou, Christine Zurbach que apoiou dramaturgicamente,
Joaquim da Silveira (o visconde) que traduziu, e a Ana Bustorff, a Júlia
Correia, a Rosa Fazenda, o António Fonseca, o Rui Madeira, o Augusto Martins, o
Dantas da Rocha, o José Cortez. O Abel Fernandes que representaram e o Jaime
Lousa que nessa época era o secretário da companhia e o Fernando Rocha e o
Pereira e o Laurindo… e o grande suporte deste projecto e do início desta
companhia, o Dr. Himmel, director do Instituto Alemão do Porto.
Não acredito que Grass tenha
decidido morrer exactamente no ano em que fazemos 35 anos e no mês em que
desenhamos o projecto do espectáculo, mas afirmamos que continuamos na Companhia
e no projecto com as mesmas preocupações e a mesma necessidade de criação.
Revivemos em Grass como em Bernhard e todos seremos poucos para combater o
esquecimento.
Rui Madeira
Fotos de A Cheia de Günter Grass, uma produção CENA - Cooperativa Produção Teatral, 1980.