11/01/10

Ana Bustorff no Jornal de Notícias


O Jornal de Notícias entrevistou Ana Bustorff. Na conversa que incide sobre Concerto "à la carte", monólogo de Franz Xaver Krotz, a actriz fala da emoção e da experiência de ser a Sr.ª Rasch, do desafio de estar em palco sem dizer uma palavra, da intensidade dos textos alemães.

Para ler:




1 comentário:

puculando_anita disse...

Visto no passado dia 29/01 - Porto
Excelente!

Deixo aqui o texto que construí a partir da representação - Concerto à la carte

em casa. Tiro o casaco e é verdade: a puta da gaivota deixou um alvo entre os ombros. Esfrego em desespero: não sai. Penduro o casaco à mesma atrás da porta. A carteira no ombro da cadeira. A luz do entardecer ainda mergulha sobre a cama. A rua detrás passeia-se sem pressas. Os tacões que ainda calço restituem-me a importância que não tenho das 9 às 5h, de rato em punho, batalhando gestão de stocks.
Toc,toc..toc, toc enquanto lavo as mãos das "3 unidades que foram vendidas sem sairem de stock".Guardo os produtos perecíveis no frigorífico. Um a Um. Abre a porta, fecha a porta, abre porta, fecha porta...
toc,toc, ..toc, toc, no espelho descubro a borbulha que amanheceu todo o dia na bochecha esquerda. Creme nela.
Relaxo, pés nos chinelos.
Ligar a televisão é automático. Como tudo o resto que fiz antes.
Nem sempre janto. Hoje vou encenar um jantar: ligo o rádio e lavo tudo o que tinha ficado por preguiça, desde ontem. Não custa nada, com um pouco de água quente. Organizado.
Agora já posso pensar no jantar, primeiro na mesa: a esteira alisada do lado do costume, agora o prato e os talheres (alinhados).
Abro o frigorífico e escolho a ementa mais colorida- tudo constrasta com o azul do prato. Tomates cereja em volta (em número ímpar), não sei porquê, mas accho que fica mais bonito.
E três tipos de patés. Luxuoso.
E o copo, vou enchê-lo de puro sumo, que bom, mas acabo por baptizá-lo com água: sempre dura mais.
Gosto do rádio - de vez em quando presente -, que me espreguiça as pernas em passos de dança de baixo da mesa. Se as movo dou conta das meias que acabam na coxa. Sabe-se lá porquê!
Debruço-me sobre a rosa congelada de outras festas. sorrio para a vela que arde aqui à frente.
O Cigarro estende-me na cadeira, inconsequente.
Não há uma hora que passe que não te sinta a falta.
Não tenho cão nem gato, por isso, faço tapetes. A entreter o tempo. Preparo a tela e as linhas, sopeso a tesoura... Boca na linha, começo o trabalho.
A linha não entra e estou a lembrar-me da besta do chefe que implicava, implicava, - até que apetecia torcer-lhe o pescoço.
Porque é que me meto com esta gaita deste trabalho que nem sequer gosto?
A luz descaiu para a soleira da janela. Vou ver:
A rua continua a passar sem pressas,cada coisa no seu lugar...lá ao fundo, não vejo aiinda bem: um casal abraçado para a toda a vida.
Apuro os olhos e é mesmo. trepadeiras um no outro, lado a lado...sei que era bom.
Amanhã posso fazer uma coisa diferente: posso usar aquela roupa toda fashion que trouxe há três meses da lavandaria. Negro e pérola, que achas?
(Não me respondes).
Escolho também o conjunto do corpete de renda, faz de conta que alguém vê.
Ainda acredito que a noite seja só o começo, mas aqui em casa é só o fim do dia, nada mais.
Mais frio,
talvez.
Quero adormecer a acreditar que a noite seja só um começo mas sei que um dia igual a este começa amanhã, no mesmo horário, das nove às cinco, na gestão de stocks.
E como sempre, a puta da gaivota vai manchar o meu casaco e eu vou jantar, ou não jantar e sou só eu e tu não estás.
E depois começo outro tapete que me vai lembrar o estúpido do chefe e vou continuar sem perceber porque faço a a porcaria destes trabalhos!
E estou só eu comigo a enlouquecer com o que não digo. A ensaiar passos de dança que não servem para nada porque só estou eu - é uma parvoíce.
Adormeço. Acordo. Alerta.
Tenho medo dum dia igual ao de hoje.
Engulo um relaxante.
Teho medo que este dia se repita mais uma vez. Durante uma semana, - penso. Ou durante os dias todos de um mês.Ou um ano.
Não quero pensar. Leio a bula.
Um
por cada dia
de cada mês.
Deve chegar.