21/12/17
A quadratura do círculo e a importância da Performart
Passada que está esta difícil
fase do processo de Candidatura aos apoios “ditos” sustentados e, embora
consideremos este processo longe do fim (e bem capaz de provocar ainda
múltiplas surpresas), o tempo exige-nos que, no mesmo passo que nos preparamos
para aquelas, devamos iniciar uma reflexão, mais aprofundada possível, sobre o
futuro. A Ana Cristina sugeriu-me que alinhavasse um texto a partir da minha
intervenção na última assembleia. Confesso que a responsabilidade me tolheu,
dada a enorme complexidade em que, a meu ver, estamos enredados. Assim,
partindo da minha análise pessoal sobre “este tempo” proponho-me elencar alguns
pontos que considero basilares, para a reflexão partilhada sobre uma política
de apoio à criação artística ao “chamado 3º sector”.
Tenho consciência que a
Performart é uma associação de estruturas muito diversificadas quanto a
projectos, meios e fins; modelos de gestão e de financiamento, recursos
humanos, etc. Essa diversidade e riqueza pode/deve ser entendida como a sua
primeira grande qualidade, residindo aí o caracter perfeitamente inovador da
mesma, no nosso panorama. Significa que o que conseguirmos assumir e
consensualizar, enquanto associação, estará em melhor condição de ser afirmada
e defendida.
Passo então aos pontos, valendo-me do tema da reunião:
análise do Grupo de Trabalho, sobre o "Novo Modelo de Apoio às Artes"
para, uma vez terminada a fase de candidaturas, fazer a avaliação dos
Avisos de Abertura para os Programas de Apoio Sustentado às
Artes (nomeadamente no que se refere aos montantes disponíveis para o
setor e às condições de acesso aos patamares de apoio) e do formulário de
candidatura.
A montante temos que:
1.O Estado não assume a sua
função de regulador (ensino artístico; estatuto profissional, definição de
serviço público) nem produz um quadro de políticas sectoriais, que a partir do
território, definam uma perspectiva estruturante para uma política de Cultura (e
de Criação) para o país.
2. O Estado fala do terceiro
sector como sendo aquele com quem contrata “serviço público”, a
estruturas/empresas que, pela sua posição no terreno, estão mais próximas do
cidadão. Mas isso acontece, porque o Estado se demitiu de assumir e aumentar o
setor público na área da criação artística. E mesmo que o assumisse teria
sempre de “contratualizar”.
3. Essa falha, associada a
outras, como o subfinanciamento, em razão de uma objectiva e sistemática
negação em reconhecer o custo da coisa “artes de palco”, está na origem da situação
de precariedade endémica do sector.
4. O Estado não resolveu e,
talvez não esteja interessado em resolver, o verdadeiro nó górdio da actividade
de programação cultural no país: O Estado financiou equipamentos plasmados no
todo nacional. O Estado comparticipa no financiamento à criação artística, no
todo nacional. Mas não regula e não cria condições para a circulação dessa
criação naqueles equipamentos. Como resolver isto? Com que modelo de
intervenção? Devemos pensar nisto sem
preconceito. Trata-se de preservar a cultura nacional. Os resultados do INE
sobre a “importação cultural” e os custos associados, são claros. E deviam
fazer corar os nossos responsáveis quando falam de internacionalização da
cultura portuguesa, como um objectivo a que temos de dizer SIM.
5. A manutenção reiterada de um
discurso político, perverso, em que se confundem os objectivos a atingir com
desejos de os alcançar. Se baralham conceitos e montantes, afirmação de
processos de auscultação muito democráticos e resultados sustentados em
subjectividade, conduzem inexoravelmente à situação que vivemos hoje.
Pelas minhas contas, tendo
presente e comparando o ano anterior, não há mais dinheiro neste concurso para
o teatro. Em 2017, tivemos cerca de 11.350.000€ para 88 projectos. E agora
teremos cerca de 12 milhões, não sabemos para quantos projectos. Se tivermos em
conta mais Açores. Madeira, Artes de Rua, Circo… (que aliás devem ser
apoiados). Se entendermos o que quer dizer a cativação (730.000€), no primeiro
ano, de que se fala no Aviso de Abertura do Concurso…
6. Urge analisar bem o discurso
político que sustentou esta situação concursal, os objectivos definidos no
projecto lei, no decreto e no Aviso de Abertura e, compará-los com a realidade
dos montantes efectivos, com o que nos foi exigido em sede de preenchimento de
formulário e a realidade das estruturas.
E, digamos, a jusante temos
então:
1. Um formulário que se nos apresenta na crueza do seu preenchimento, como exemplo
despudorado do que já sabíamos: Os responsáveis políticos pela área da Cultura
querem verdadeiramente acabar com as estruturas que dizem querer apoiar,
criando condições para um melhor desempenho junto dos públicos e, uma melhor
performance artística e de gestão. O formulário trata as estruturas como projectos
pontuais. E esta questão é estruturante. O Estado vê o sector com os olhos do
Programador. Vê e analisa cada actividade, como um caso, um projecto. Para eles,
um projecto a 4 anos é apenas um conjunto numérico de actividades pontuais. Nada
existe no formulário que assuma um projecto global, estratégico, estruturado e
pensado, num tempo, (antes e depois do concurso), chegando mesmo à aberração de
exigir a cada actividade um plano de comunicação e marketing específico, não
criando espaço para a explanação de um plano global e estratégico. A DGArtes
não possui Centro de Documentação, nem as pessoas que compõem o Júri, são
obrigadas (mas deviam) a conhecer as estruturas. Ora, se não existe no
formulário nada para lá da exigência de “redacções argumentativas”…
2. O formulário trata as
estruturas como projectos pontuais quando não permite que uma qualquer
estrutura possa ter nos seus recursos humanos mais pessoas do que eles intuíram.
Constata-se (no caso da CTB) ao preencher o formulário que, para sermos exactamente
sérios e objectivos, teríamos de despedir 8 pessoas com contrato e na segurança
social. De outro modo não estaríamos em condições de admissibilidade, já que
não cumpríamos os tais 50% do montante solicitado para custos de estrutura.
Quer isto dizer, que a DGArTes, não entendeu que uma companhia pode ter outros
financiamentos, e que uma coisa é o montante solicitado ao Ministério, para
contratualizar e outra coisa é o orçamento da estrutura.
3. Esta questão é importante, já
que o Estado pensa que resolve o combate à precariedade com 3 pessoas. E não
exige mais, porque sabe quanto custa a criação artística e não a quer
financiar, quer isso sim, subfinanciar. O Estado não está a contratualizar
serviço público. O Estado está a esmifrar os artistas e as estruturas e a
obriga-los a cumprir desígnios que o Estado não está disposto a garantir
directamente, porque sabe que lhe custa mais caro.
Por fim, proponho que levemos a
cabo, internamente um estudo rápido sobre a Performart, isto é, sobre o seu
universo: quantos somos? quem somos, que vínculo temos com cada estrutura, anos
de profissão?, sei lá…. esse conhecimento, parece-me, ajudará muito a uma
reflexão aprofundada.
Ver também:
Rui Madeira
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